Mulheres no Desporto: Júlia Vergueiro, Presidente do Pelado Real Futebol Clube
Júlia Vergueiro, Presidente do Pelado Real Futebol Clube em São Paulo, não é como os nossos entrevistados habituais. Júlia não é uma especialista em ciências do desporto, nem em tecnologia desportiva. Pelo contrário, tem inspirado milhares de raparigas a praticar desporto no Brasil, criando oportunidades para que se empenhem e tenham sucesso onde normalmente se encontra pouca inspiração.
Os primeiros anos
"Não me lembro de muitas raparigas a jogar futebol quando era jovem; sempre me senti a única que realmente se interessava pelo jogo." A dedicação de Júlia ao futebol foi evidente desde muito cedo, querendo participar nas actividades desportivas da família e jogando religiosamente com os seus irmãos e primos masculinos, e assistindo aos jogos com a mãe e o pai. Apesar de os pais terem feito questão de a levar a praticar desporto - praticou ténis, ginástica, andebol, natação e voleibol - o futebol só se tornou uma realidade quando foi para os EUA com 16 anos, num intercâmbio escolar.
Encontrar a sua paixão
O catalisador para a criação do clube feminino Pelado Real Futebol Clube surgiu há alguns anos, quando Júlia teve uma grande mudança na sua carreira. Enquanto trabalhava como analista no maior banco da América Latina, Júlia decidiu demitir-se, mas "foi mais do que uma escolha, foi uma espécie de dever". Júlia descobriu um grupo de mulheres que se reunia semanalmente para jogar futebol, juntou-se a elas e o seu sonho de encontrar um sítio para jogar tornou-se realidade.
Embora o Pelado Real tenha agora os seus próprios campos de futebol feminino, escola de futebol para raparigas e mulheres, e tenha mais de 250 raparigas e mulheres a participar semanalmente, Júlia fala sobre como os primeiros dois anos de criação do clube foram muito difíceis. "Não tinha qualquer rendimento e tinha muitas dúvidas sobre se seria bem sucedido - mas depois vi que era uma mudança corajosa e necessária... o futebol feminino precisava de mim."
Júlia encontrou o sentimento de pertença no Pelado e quer que outras raparigas e mulheres tenham a mesma oportunidade de jogar - "para beneficiarem dele como desporto e também como ferramenta de envolvimento social e de capacitação".
Enfrentando o preconceito no Brasil
Júlia fala sobre como ainda existe um grande preconceito em torno do futebol feminino no Brasil. "Muito disso vem da falta de conhecimento sobre como o futebol pode ser uma ferramenta importante para o nosso desenvolvimento pessoal e profissional." Ao comparar o Brasil com outras nações com clubes femininos prósperos, como EUA, França e Reino Unido, Júlia destaca que "estamos na infância - falta infraestrutura, cobertura da mídia, ligas, clubes, patrocinadores... tudo".
As coisas melhoraram desde que a CBF obrigou seus clubes a desenvolver clubes femininos, mas Júlia balança a cabeça ao ver como "a maioria deles ainda está fazendo isso mal apenas para seguir as regras". No entanto, um passo à frente foi a recente contratação de um novo treinador principal - mostrando localmente e internacionalmente que "estamos realmente tentando aprender com os melhores e buscando melhores resultados".
Destaques pessoais
O Pelado Real criou recentemente um programa bem-sucedido de bolsas de estudo para jogadoras de futebol brasileiras estudarem nos EUA. As bolsas de estudo atléticas eliminam a barreira do custo para estudar numa universidade americana, e Júlia destaca a oportunidade para as raparigas serem recompensadas pela sua dedicação ao desporto, e como o futebol pode ser um trampolim para as raparigas terem experiências de mudança de vida. "Estamos muito entusiasmados por ajudar a quebrar a barreira cultural que ainda limita o desenvolvimento das nossas raparigas e por vê-las brilhar no estrangeiro."
Mas este não é o único ponto alto da carreira de Júlia; ela fala-nos da criação do primeiro campo de futebol feminino da Juventus no mundo, com 80 raparigas. "O presidente local da Juventus Academy disse que nunca tinham tido mais de duas ou três raparigas nos seus campos, mas nós conseguimos angariar fundos para a participação de quase metade das raparigas através de uma campanha de crowdfunding."
Planos futuros e inspirações
Falar sobre os planos futuros para o Pelado faz com que Júlia se anime. "Quero que o futebol se torne algo que os pais queiram para os seus filhos porque vêem os benefícios do jogo. Estamos a criar o maior número possível de oportunidades de aprendizagem para todas as idades e níveis de competência." Júlia espera que actividades como torneios internacionais de futebol, bolsas de estudo para atletas e actividades de competências para a vida se tornem mais reais e acessíveis e, de um ponto de vista local, ter as suas próprias instalações para aumentar o número de raparigas e mulheres que jogam no Pelado.
Júlia cita a superestrela brasileira Marta como um modelo a seguir. "Tive a sorte de jogar um pouco com ela há alguns anos, só por diversão, e a sua velocidade e força impressionaram-me muito. Fora do campo, a Marta parecia tão normal e tratava toda a gente tão bem - não é algo que se veja regularmente!"
Tal como Marta é uma inspiração para Júlia, é evidente que Júlia se torna essa figura para os milhares de raparigas e mulheres que jogam no Pelado Real, dando poder às mulheres para jogar futebol e tentando mudar os preconceitos de um país ainda muito centrado no jogo masculino.
Leia os nossos perfis anteriores de Mulheres no Desporto:
Hannah Jowitt, Analista de Percursos Internacionais, BCE
Kate Starre, Diretora de Alto Rendimento, Fremantle Dockers AFLW
Tahleya Eggers, Cientista do Desporto, Parramatta Eels
Shona Halson, Professora Associada, Universidade Católica Australiana
Cheryl Cox, Treinadora de Desempenho Atlético, Universidade da Califórnia-Berkeley
Naomi Datson, Professora Sénior de Análise do Desempenho Desportivo, Universidade de Chichester
Alivia del Basso, treinadora de força e condicionamento físico, West Coast Eagles
Michelle Truncali, Treinadora Assistente de Força e Condicionamento, Universidade de Notre Dame
Tania Gallo, cientista desportiva principal, North Melbourne FC